A química do chocolate
Ele pode ser
calórico e provocar espinhas, mas encontrar alguém que diga não
a um chocolate sem demonstrar tristeza é coisa rara. Estudos
mostram que a sensação de bem-estar que ele causa está ligada ao
estímulo da produção de substâncias químicas do corpo humano
como a serotonina. Mas o papel da Química no fascínio de tanta
gente por essa iguaria começa bem antes da embalagem ser aberta.
Existem numerosos fatores que influenciam a qualidade e o sabor
do chocolate, tais como: a escolha da variedade genética do
cacau, o clima e as condições do solo onde é cultivado, bem como
as técnicas de fabricação empregadas. O desenvolvimento do sabor
do chocolate começa já na etapa de fermentação dos grãos,
processo este ainda rudimentar, mas importantíssimo na produção
de aminoácidos, monosacarídeos, peptídeos, flavonóides,
metilxantinas, entre outros, substâncias estas que serão os
precursores do sabor e aroma do chocolate.
O aroma total do chocolate é formado na etapa de torrefação, na
qual os grãos, fermentados e secos, são cuidadosamente aquecidos
a temperaturas que variam de 110° C a 140°C. Foram identificadas
500 substâncias responsáveis pelo sabor do chocolate. Entre
elas, podemos citar os compostos carbonílicos como os álcoois,
aldeídos, cetonas, e os heterocíclicos. Estas substâncias são
produtos de um fenômeno químico conhecido como Reação de
Maillard.
Após moagem dos grãos já torrados, obtém-se o “liquor de cacau”
ou pasta de cacau que será combinado com açúcar, leite em pó (no
caso de chocolate ao leite), manteiga de cacau, emulsificante e
opcionalmente um aromatizante. Esta mistura segue para a etapa
chamada conchagem na qual a massa será aquecida sob agitação por
várias horas, objetivando a obtenção de uma pasta fluida e a
eliminação de substâncias voláteis que poderiam interferir no
sabor final do chocolate. A função do emulsificante, normalmente
lecitina de soja, é a de reduzir a tensão superficial entre a
manteiga de cacau, a gordura do leite e os outros componentes
presentes, bem como diminuir a viscosidade da mistura.
Usa-se combinar liquor de cacau de procedências diferentes,
obtendo-se desta forma um produto com características de aroma e
sabor diferenciados.
Outro procedimento importante na produção do chocolate é a “temperagem”,
que consiste no resfriamento controlado da massa após a
conchagem, objetivando a solidificação do chocolate pela
cristalização da manteiga de cacau presente na sua forma mais
estável. A manteiga de cacau pode cristalizar em várias formas
polimórficas. Algumas delas são instáveis e, com o passar do
tempo, poderão se recristalizar na forma mais estável. Isto
resultará na perda de brilho e na formação de cristais
acinzentados na superfície do chocolate, defeito conhecido como
fat-bloom. Este problema também ocorre quando, no armazenamento,
a temperatura do chocolate sofre variações.
Também no armazenamento, as mudanças bruscas de temperatura, das
áreas frias para as áreas quentes, fazem com que haja
condensação de umidade na superfície do chocolate. As moléculas
de água formadas durante a condensação dissolvem o açúcar do
chocolate formando um xarope e, posteriormente, quando são
novamente evaporadas pelo aquecimento (aumento da temperatura
ambiente), deixam o açúcar depositado na superfície na forma de
cristais grossos e irregulares, que conferem ao produto um
aspecto desagradável. Este defeito, conhecido como sugar-bloom,
é facilmente identificado, pois se caracteriza pela apresentação
de uma camada de cor acinzentada, rugosa e irregular na
superfície do chocolate. Portanto, para garantir sua qualidade,
padronização e a conservação de suas características, o produto
precisa ser armazenado sob rigoroso controle de temperatura,
entre 18ºC e 25ºC, e umidade relativa do ar de no máximo 70%.
A obtenção de diferentes tipos de chocolate depende
principalmente da proporção dos ingredientes e das variações do
processo. As diferenças básicas entre o chocolate ao leite e o
amargo estão na formulação: o primeiro tem leite e o segundo
não. Além disso, o amargo possui uma concentração maior de pasta
de cacau e menor de açúcar. Mas a cor e o sabor resultam também
da Reação de Maillard, que é acelerada a altas temperaturas.
Como já citamos anteriormente, ela ocorre antes mesmo da
fabricação do chocolate, no processo de obtenção da sua
principal matéria-prima: a pasta de cacau. Graças a esse
fenômeno químico, a pasta de cacau tem uma coloração marrom
escura, quase preta e, por isso, não é empregada na formulação
do chocolate branco. Neste caso, é usada apenas a manteiga de
cacau. Na conchagem do chocolate branco, a temperatura precisa
ser mais baixa que a dos chocolates escuros para que a Reação de
Maillard não ocorra e escureça o produto.
Como em vários outros tipos de indústria, na de chocolates a
Química também é fundamental para o controle da qualidade. Tanto
as matérias-primas como o produto final passam por testes
químicos que avaliam, por exemplo: teor de gordura, umidade,
atividade de água, proteína e iodo. Sem elas, as indústrias
teriam problemas na padronização e identificação de insumos e
produtos finais. Com essas análises feitas internamente em um
laboratório químico, o tempo de resposta aos problemas de
produção e insumos é bem menor, favorecendo assim a agilidade
das decisões e possíveis ações corretivas a serem tomadas.
Algumas não conformidades que podem ser evitadas são:
irregularidade no ponto de quebra, falta de consistência, perda
de sabor e brilho, crescimento microbiano, redução da vida de
prateleira do chocolate, entre outros.
Até na higienização da fábrica e de seus equipamentos, o
conhecimento químico é necessário. Ela é dividida em duas
etapas: limpeza e desinfecção. Na limpeza, ocorre a remoção
física dos resíduos. Utilizam-se detergentes inodoros
específicos para remoção do material orgânico e sujidades
presentes nos equipamentos e utensílios, com o intuito principal
de remover a gordura, o maior resíduo gerado em uma indústria de
chocolate. Após a limpeza, é realizada a desinfecção. Esta é uma
operação de redução, por meio de agentes químicos, do número de
microorganismos a um nível que não comprometa a segurança do
alimento. Normalmente, são utilizados sais à base de biguanida,
quaternário de amônio e também ácido peracético. Para a
aplicação desses agentes químicos, os operadores devem estar bem
instruídos e protegidos com os Equipamentos de Proteção
Individual (EPIs) necessários. É muito importante a utilização
de produtos específicos para indústrias de alimentos, pois, além
de ser necessária a verificação de sua eficácia e garantir que
não restarão resíduos após sua aplicação, estes produtos
químicos não podem exalar odores fortes que possam vir a
contaminar o chocolate, que é um produto muito sensível à
absorção de odores.
Tudo isso é tecnologia química desenvolvida pelos profissionais
da área nas universidades, no dia-a-dia das indústrias e nos
seus centros de pesquisas. No caso do chocolate, essa tecnologia
não está só no processo descrito acima, mas também é fundamental
para a fabricação de aditivos como a lecitina de soja, a
obtenção da pasta e da manteiga de cacau e o cultivo do
cacaueiro, que emprega fertilizantes e defensivos agrícolas.
Isso sem contar o desenvolvimento das embalagens que tornam o
produto, já tão atraente, ainda mais irresistível.
Fonte: A Engenheira de Alimentos Karina Chahade
Fernandes (kacf@hotmail.com), Responsável Técnica pela
Kopenhagen, forneceu informações para a produção deste texto,
pelas quais a Comissão de Divulgação do CRQ-IV agradece.
Reação de Maillard
A cor, o aroma e o sabor de muitos alimentos depois de cozidos
ou assados é resultado de uma reação química entre um
carboidrato e um aminoácido (proteína) que ficou conhecida pelo
nome do médico e químico francês que a descreveu em 1912,
Louis-Camille Maillard. Após várias etapas dessa reação,
formam-se compostos escuros chamados melanoidinas, que conferem
cor à carne assada e ao doce de leite, por exemplo. Dependo do
tipo de açúcar e proteína do alimento, o processo produz cores,
sabores e aromas diferentes. Importante ressalvar, contudo, que
essa reação é diferente do que ocorre nos processos de
tostamento e caramelização.
Acredita-se que a Reação de Maillard seja também responsável
pelo envelhecimento do corpo humano.
Serotonina
A serotonina é uma molécula sintetizada a partir de uma proteína
chamada triptofano, que desempenha no corpo humano a função de
neurotransmissor. Isso quer dizer que ela trabalha na
comunicação entre as células nervosas (neurônios). Por isso,
afeta nosso humor, sono e apetite. Além do sistema nervoso
central, a serotonina está presente no trato intestinal e nas
plaquetas sanguíneas. Quimicamente, recebe o nome 5-hidroxitriptamina
e é representada pela fórmula molecular N2OC10H12.