A química na produção de Orgânicos
A ciência e a indústria químicas produzem conhecimento e insumos
também para a agricultura orgânica. Embora alguns materiais
publicitários e até mesmo jornalísticos a definam como sistema de
produção que prescinde de química, esta se faz presente em quase
todas as etapas da produção: desde o preparo do solo até a análise
do produto final para verificar a ausência de fertilizantes e
defensivos não permitidos nesse tipo de cultivo.
Na opinião do engenheiro agrônomo e professor emérito da
Universidade Federal de Lavras, Alfredo Scheid Lopes, classificar
os alimentos em orgânicos e químicos é um erro conceitual. “A
própria química divide-se em dois grupos: a Química Orgânica, que
estuda o carbono, o hidrogênio e o oxigênio, seus compostos e
reações, e a Química Inorgânica que estuda os demais elementos.
Portanto, produtos orgânicos são também químicos”, conclui Lopes.
Tanto esse tipo de produção não prescinde de química que um dos
membros do grupo de insumos da Câmara Setorial de Agricultura
Orgânica – órgão do Ministério da Agricultura – é o bacharel em
química Wagner Polito, professor do Instituto de Química de São
Carlos da USP. “Por conhecer a composição química dos materiais, o
profissional dessa área pode opinar sobre o que deve ou não ser
usado na agricultura orgânica”, esclarece Polito.
Análises químicas de solo e folhas são constantemente utilizadas
por agricultores que buscam a certificação de seus produtos
orgânicos. A principal certificadora do país, o Instituto
Biodinâmico (IBD), usa os laudos dessas análises para autorizar ou
não o uso de determinadas substâncias bem como para verificar se o
manejo da cultura foi feito de modo correto.
Os resultados de análises são usados também para determinar o
tempo que o produtor levará para obter a certificação de seu
produto, o que pode variar de um a cinco anos. Tão logo o
agricultor decida converter sua produção convencional em orgânica,
“faz-se uma análise do solo para verificar níveis de resíduos e, a
partir disso, e em função de todo o levantamento da área, você faz
o planejamento para conversão”, explica o engenheiro agrônomo
Paulo Stringheta, professor da Universidade Federal de Viçosa.
De acordo com Stringheta, “o princípio da agricultura orgânica é
cuidar do solo”. Para melhorar seu desempenho, o principal recurso
é justamente a incorporação de matéria orgânica, especialmente
restos vegetais e estercos. No caso destes últimos, é preciso
submetê-los a um processo de compostagem para eliminar
microorganismos patogênicos.
O composto é feito com camadas intercaladas de restos vegetais e
esterco regadas com água. De acordo com o engenheiro agrônomo José
Pedro Santiago, presidente da Câmara Setorial de Agricultura
Orgânica e consultor do IBD, o esterco precisa ficar pelo menos
três meses em compostagem. Durante esse período, ocorrem processos
bioquímicos e a matéria orgânica é decomposta.
Polito diz que a compostagem tem ainda uma segunda função: fazer
com que seja liberado carbono na forma de gás, de modo que, quando
o adubo for incorporado ao solo, a relação carbono-nitrogênio na
planta esteja equilibrada.
Santiago explica que, para promover a fertilidade do solo, “podem
também ser usados os chamados micronutrientes, que são produtos
químicos”. Esse micronutrientes são combinados com matéria
orgânica em insumos denominados biofertilizantes. Um deles é o
Supermagro, recomendado pela Embrapa para a produção de café
orgânico. Em sua composição, há água, leite e esterco bovino, e
também produtos químicos como os sulfatos de cobalto e manganês e
o termofosfato silício-magnesiano. Ingredientes semelhantes
compõem o Agrobio, um outro biofertilizante bastante utilizado,
desenvolvido pela Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do
Rio de Janeiro (Pesagro-Rio). Santiago, contudo, faz uma ressalva
sobre o emprego dos micronutrientes: “Eles podem ser usados até
certa quantidade e, no caso de algumas certificadoras, é preciso
justificar o uso”.
De acordo com os adeptos da produção orgânica, além de levar
nutrientes às plantas, os compostos e os biofertilizantes fazem
com que elas criem mecanismos próprios de defesa contra pragas e
doenças, o que reduz a necessidade de usar defensivos. “O
princípio da agricultura orgânica é o seguinte: tenha um solo
sadio, que você vai ter uma planta sadia”, resume o presidente da
Câmara Setorial.
Nos casos em que ainda assim houver pragas ameaçando a
produtividade da lavoura, recorre-se a produtos como a calda
sulfocálcica. Composta de polissulfetos de cálcio, ela combate
ácaros, fungos e insetos. Como fungicida, também pode ser usada a
calda bordalesa, preparada com cal hidratada e sulfeto de cobre.
Tal como no caso dos biofertilizantes, algumas certificadoras
exigem justificativa técnica acompanhada de análises de solo e
folhas para autorizar o uso desses produtos.
O controle também pode ser feito com extratos de plantas como
dente-de-leão, urtiga e neen. Para o professor da USP, desenvolver
mecanismos que otimizem a extração e o aproveitamento desse
extratos é uma função do profissional da química. “Será que o
dente-de-leão não tem alguma substância que possa ser usada de
modo mais rápido?”, exemplifica.
Polito também chama a atenção para a necessidade de criar meios de
concentrar os princípios ativos e de desenvolver veículos
eficientes para os insumos usados na agricultura orgânica. Nesse
sentido, o profissional da química tem nesse tipo de produção a
mesma função que exerce na convencional: criar meios de reduzir
custos e aumentar a eficiência dos insumos. “Eu diria que esse
campo é uma avenida aberta para pesquisa que os químicos não
perceberam ainda”, opina o professor.
Escrito pela jornalista Vivian
Chies, da Assessoria de Comunicação do Conselho, este texto foi
publicado originalmente no Informativo CRQ-IV referente ao
bimestre Julho/Agosto de 2006. A mesma edição traz outras
reportagens sobre a contribuição da química na agricultura.
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