Nanotecnologia: o potencial das
pequenas coisas
Nanotecnologia é uma ciência que permite ao homem lidar com
átomos, moléculas e sistemas muito pequenos para criar novos
processos industriais, produtos e materiais de alto desempenho.
Todos os processos de produção e conversão de energia em nossas
vidas envolvem passagem de elétrons: a respiração, a fotossíntese,
a combustão em máquinas e motores e o funcionamento das baterias e
das células fotovoltaicas. Hoje essa questão já chegou ao mundo
nanométrico, onde a unidade básica é 1 nanômetro (1nm), que
significa 1 bilionésimo de metro. Nano é um prefixo de origem
grega e quer dizer “anão”.
Nesse mundo, só é possível ver e manipular átomos e moléculas por
meio de equipamentos especiais e que são muito mais potentes que
os microscópios, inclusive os eletrônicos. Tais equipamentos, que
fazem a chamada varredura de sonda, possibilitam aos cientistas
ver como se comporta uma única molécula e como um elétron passa
através dela.
Antigamente, isto é, há menos de cinqüenta anos, a maioria dos
instrumentos eletrônicos ainda funcionava com válvulas, parecidas
com lâmpadas, geralmente barulhentas e cheias de problemas. A
introdução do transistor ajudou muito, mas mesmo assim, nos anos
1970 os computadores ainda eram imensos: ocupavam salas inteiras e
ninguém pensava em ter um em sua casa. Hoje, além de caberem na
palma da mão, são muito mais possantes e confiáveis. Com a redução
de tamanho e avanços na integração, um processador convencional,
como o Pentium IV, já trabalha com 40 milhões de transistores.
E
isso ainda continua evoluindo. Os processadores já começam a
entrar na escala nanométrica e a previsão do físico Richard
Feynman, feita em 1959, de que seria possível colocar todo o
conteúdo da Enciclopédia Britânica no espaço de uma cabeça de
alfinete já não é ficção. Pode parecer impressionante, mas alguém
poderia dizer que mesmo com tanto progresso, um bit de informação
ainda representa um desperdício de espaço ao utilizar nada menos
que alguns bilhões de átomos! É verdade. No final de 2004, a IBM
anunciou o Millipede, um dispositivo que utiliza milhares de
sondas de microscopia para gravar e ler informações em escala
nanométrica. Então, você consegue imaginar agora o que poderá
acontecer quando a eletrônica passar a utilizar átomos e moléculas
isoladamente? Dispositivos milhões de vezes menores? Como seria
isso?
Não é preciso pensar muito para responder. De fato, esse
dispositivo já existe e está dentro de você. É o seu cérebro que,
sem dúvida, ainda é o melhor computador existente. Ele é capaz de
executar 1.017 operações por segundo, superando em mil vezes o
Blue Gene/L que a IBM acaba de anunciar como o computador mais
possante já construído pelo homem. O cérebro é um computador
"molhado", que trabalha com neurônios, células que recebem os
impulsos químicos de moléculas de neurotransmissores, como a
dopamina, convertendo-os em sinais elétricos. Estes se deslocam a
longas distâncias pelos axônios até chegar à região da sinapse,
onde disparam novamente os mecanismos de comunicação celular,
liberando neurotransmissores para as células vizinhas.
Além da nossa capacidade de trabalhar com moléculas, temos a
vantagem de dispor do melhor software possível: a nossa
consciência. Ele é o único capaz de comandar as ações do cérebro e
de exercitar a própria inteligência através da aprendizagem e da
auto-aprendizagem. E o mais incrível é saber que tudo isso é pura
Química!
A pergunta a ser feita agora é: será que conseguiremos manipular
átomos e moléculas ao ponto de construirmos máquinas mais
evoluídas e sistemas auto-adaptáveis e inteligentes? Medicamentos
programados para atingir um alvo ou para serem liberados de acordo
com as necessidades? Sistemas químicos integrados em um chip para
fazer diagnóstico clínico ou monitorar a qualidade de vida?
Dispositivos de iluminação e jornais eletrônicos com a espessura
de uma folha de papel? Janelas que dispensam limpeza ou adaptam
suas tonalidades, ou que transformam a luz do sol em energia
elétrica? Tecidos com capacidade de reconhecer e neutralizar
agentes agressivos ou de suportar condições extremas de
temperatura, impacto ou corrosão? Estes são apenas alguns exemplos
de assuntos que já estão estimulando enormes investimentos
financeiros para a nanotecnologia no mundo inteiro.
Trabalhar com moléculas é exatamente o que a Química faz. Observe,
porém, que apenas uma pequena parte das reações químicas gera os
resultados esperados. Por exemplo, quando colocamos os reagentes
em um tubo de ensaio, estes passarão a reagir através dos
incessantes eventos colisionais promovidos pela energia térmica.
Apenas algumas das colisões serão produtivas e resultarão na
espécie química desejada; a maioria será improdutiva, pois o
processo é caótico. Não há muito que fazer para evitar isso, a não
ser esperar o suficiente para que o produto se acumule e o
rendimento aumente.
Então, o que aconteceria se colocássemos as moléculas biológicas
envolvidas na fotossíntese, isto é, clorofilas, quinonas,
citocromos, ferredoxinas, ATP sintase, entre outras, em um tubo de
ensaio e irradiássemos com luz? Ocorreria a fotossíntese? De jeito
algum! Na realidade, os processos biológicos só funcionam porque
os componentes moleculares estão devidamente organizados no espaço
e no tempo. As ações que se processam acabam transcendendo o plano
da molécula. Esse é o conceito mais genuíno da Química
Supramolecular: a química além da molécula. É justamente essa
Química que torna possível a vida e que oferece a grande
estratégia na Nanotecnologia Molecular.
Assim, para começar, é importante aprender essa nova linguagem. Na
Química Supramolecular, um átomo equivale a uma letra, uma
molécula constitui uma palavra e um conjunto de moléculas
organizadas compõe uma sentença. Portanto, é preciso trabalhar a
Química com essa nova linguagem, que paradoxalmente a natureza já
conhece e pratica há muito tempo. Ao fazermos isso, estaremos
perseguindo os limites da evolução dos materiais moleculares,
tomando como referência a própria natureza.
Mas o que tudo isso quer dizer em termos químicos? Para que duas
moléculas possam atuar cooperativamente, é necessário que elas
interajam de forma associativa, com algum grau de reconhecimento
mútuo capaz de conferir a necessária organização estrutural. Esse
mecanismo é típico do reconhecimento molecular, e um bom exemplo é
proporcionado pela interação entre as bases nucleicas, que pode
ser vista na estrutura do DNA. Se modificarmos as moléculas com
bases desse tipo, elas passarão a se associar espontaneamente
através do reconhecimento molecular e isso poderá ser usado para
promover a automontagem de novas estruturas supramoleculares
voltadas para aplicações em nanotecnologia molecular.
Na realidade, existem várias outras maneiras de se trabalhar com
moléculas para produzir estruturas organizadas. Sua exploração é
um assunto estratégico atualmente. Uma das aplicações disso a
maioria já conhece: são os cristais líquidos. Utilizando a
propriedade de orientação das moléculas, é possível formar os
pixels de imagem em sua tela de computador. Existe uma diversidade
muito grande de dispositivos moleculares, como os sensores
químicos e biológicos, dispositivos "orgânicos" emissores de luz (OLEDs),
células fotovoltaicas e fotoeletroquímicas, células a combustível,
painéis eletrocrômicos, memórias, chaveadores de sinal, portas
lógicas, atuadores e componentes eletrônicos.
O desenvolvimento de sensores químicos e biológicos é outra das
grandes possibilidades na nanotecnologia, principalmente pela
enorme diversidade de opções e aplicações. Os sensores podem ser
baseados em filmes moleculares que mudam suas propriedades ópticas
quando expostos às radiações ou aos agentes químicos ou
biológicos. Tais filmes ainda podem sinalizar o reconhecimento das
espécies através de respostas elétricas ou eletroquímicas e têm
sido usados no desenvolvimento de sensores de gases para prevenir
incêndios ou alertar sobre vazamentos, bem como de dispositivos
sensoriais como nariz e língua eletrônicos, e de analisadores de
conservantes químicos em alimentos e bebidas.
Nanopartículas também podem ser alteradas quimicamente para
reconhecer outras espécies, sinalizando tal ação através de
mudanças de cor ou luminescência. Além disso, é possível
incorporar propriedades magnéticas, gerando nanopartículas que
podem ser atraídas por imãs para serem utilizadas para transportar
drogas, liberar espécies ativas de oxigênio de forma localizada em
terapia fotodinâmica ou promover a redução da temperatura (hipertermia)
numa determinada região do corpo, mediante aplicação de campos
elétricos alternados, visando à destruição de células cancerosas.
A redescoberta também faz parte da Nanotecnologia. Intuitivamente,
o homem aprendeu que a adição de nanopartículas de carbono (negro
de fumo) à borracha melhorava em muito suas propriedades mecânicas
e o resultado disso foi o pneu. A insuperável tinta nanquim nada
mais é que uma suspensão de nanopartículas de carbono em goma
arábica. As nanopartículas já fazem parte do mundo dos plásticos,
entrando na fabricação de produtos mais resistentes, com melhores
propriedades isolantes e menor permeabilidade a gases.
Entretanto, não é só tecnologia. Também existe a Ciência e esse é
o lado mais interessante do mundo nanométrico. Realmente, nessa
dimensão o raciocínio em termos dos fenômenos clássicos não mais
se aplica e os desafios científicos são imensos. Surgem novos
fenômenos, principalmente associados à redução da dimensão dos
materiais.
Um exemplo simples: veja o que acontece quando um feixe de luz
incide sobre orifícios micrométricos em um filme de ouro.
Normalmente passa pouca luz através dos orifícios. Se esses
orifícios forem nanométricos deveria sair menos luz ainda, não é
verdade? Mas não é isso o que acontece. Na realidade, a luz, ao
interagir com a rugosidade atômica das bordas dos orifícios
nanométricos, entra em ressonância com os elétrons de superfície,
levando a um gigantesco efeito de amplificação. Assim, ela
consegue sair mais intensa do que era. Mas para o que serve essa
descoberta? São muitas as aplicações que poderão surgir: novas
telas eletrônicas, dispositivos para amplificação da luz etc.
Mas o assunto mais desafiador na Nanotecnologia ainda continua
sendo a própria vida. Hoje, as moléculas começam a ser exploradas
como nanomáquinas e nanodispositivos, a exemplo das enzimas, do
DNA e do complexo neuronal. Desvendando as nanomáquinas
biológicas, poderemos reproduzir vários processos que sustentam a
vida e dessa forma contribuir para a solução dos problemas e
melhorar a qualidade do meio ambiente.
Estratégia
A Nanotecnologia se configura como assunto estratégico e
de máxima prioridade nos países desenvolvidos e também em países
em desenvolvimento acelerado, como a China e a Coréia do Sul. O
investimento global situa-se na faixa de três bilhões de
dólares/ano, só no nível governamental. Tal investimento vem sendo
crescente, alimentado pela expectativa de que em dez anos a
Nanotecnologia deverá movimentar mais de um trilhão de dólares na
economia mundial.
No Brasil, os investimentos ainda são muito modestos, mas mesmo
assim já foram feitos avanços importantes na estruturação de
quatro redes nacionais em Nanotecnologia, além de várias sub-redes
temáticas e três Institutos do Milênio, mobilizando mais de 300
pesquisadores e 600 pós-graduandos em todo o país.
Na opinião deste autor, os químicos e empresários brasileiros do
setor ainda vêm tendo uma atuação bastante tímida nessa área.
Muitos ainda não perceberam que a Nanotecnologia é um poderoso
instrumento de capacitação, que além de promover a inovação
tecnológica, também pode melhorar a qualidade dos produtos através
da assimilação de recursos e procedimentos mais inteligentes,
modernos e evoluídos.
Finalmente, é importante destacar que a Nanotecnologia ainda se
apresenta como uma área de prospecção aberta e isso oferece uma
grande oportunidade a ser aproveitada pelo Brasil. Nesse sentido,
é imperativo que novos nichos tecnológicos sejam identificados e
consolidados. Disso, o governo já está ciente; mas o setor
empresarial não pode permanecer indiferente. Tem sido dito com
freqüência que o país perdeu o bonde da microtecnologia. Será que
também irá perder o bonde da Nanotecnologia?
Henrique Eisi Toma
Laboratório de Química Supramolecular
do Instituto de Química da USP
|