Óxido nítrico: quando a química
tem tudo a ver com o amor
Em 1980, os cientistas ingleses
Salvador Moncada e Richard Palmer estavam estudando o relaxamento
muscular. Havia interesse específico nos músculos das paredes das
artérias, que são parcialmente responsáveis pelo controle da
pressão sangüínea. Quando o corpo humano sente necessidade, ele
produz substâncias como a acetilcolina, que entra na corrente
sangüínea e sinaliza para os músculos do corpo relaxarem. Até
recentemente, considerava-se que ela agia diretamente nos
músculos, mas verificou-se, posteriormente, que não era bem isso o
que ocorria.
A acetilcolina atua dentro das células da parte interna das
artérias (células endoteliais), que produzem uma outra substância
que dá o sinal para o relaxamento muscular. Foi uma surpresa para
os dois cientistas descobrirem que a substância produzida pelas
células endoteliais era um gás muito simples, o óxido nítrico, de
fórmula NO ( um átomo de nitrogênio ligado a um átomo de
oxigênio). Ele é considerado um poluidor da atmosfera junto com
outros gases de nitrogênio como o N2O e o NO2.
O óxido nítrico pode ser obtido facilmente em laboratório pela
reação de ácido nítrico com raspas de cobre metálico. É um gás
incolor que reage instantaneamente com o oxigênio do ar para dar o
NO2, que é um dos responsáveis pela “chuva ácida”. No nosso corpo,
contudo, o óxido nítrico é usado como molécula-mensageira, o que é
muito engenhoso: por ser pequena, ela consegue se disseminar
rapidamente do endotélio até as células dos músculos. Essa
molécula é estável no corpo humano e só reage em certas
circunstâncias.
A ação mais importante do óxido nítrico em nosso corpo é ligar-se
facilmente aos átomos de ferro da enzima sintase, formando o
complexo NO-Fe- sintase. Esse complexo consegue liberar o NO, que
produz o relaxamento muscular e permite a entrada do sangue nos
corpos cavernosos (tecidos que se assemelham a espumas, presentes
em orgãos como o pênis). Mas a História do óxido nítrico não
termina aí.
Após a descoberta da função do NO no corpo humano, surgiram
inúmeros trabalhos de pesquisa relacionados a este gás. Um deles
trata dos mecanismos de defesa do nosso organismo para eliminar
bactérias invasoras que causam doenças. As células que produzem o
NO, os macrófagos, têm a capacidade de injetá-lo dentro desses
microorganismos para matá-los. Após a eliminação das bactérias, o
óxido nítrico é oxidado a nitrito (NO2-) e nitrato (NO3-). Assim,
o NO tem dois papéis fundamentais em nosso corpo: como
molécula-mensageira, é o responsável pelo relaxamento da
musculatura vascular; como agente antimicrobiano, defende-nos
contra as bactérias que causam doenças.
A descoberta do papel essencial desempenhado pelo NO no controle
da pressão sangüínea explica porque um medicamento como a
nitroglicerina tem sido indicado pelos médicos, há muito tempo,
para o tratamento de angina - um estreitamento das artérias do
coração. Quando a nitroglicerina se transforma em NO, provoca um
relaxamento muscular e, conseqüentemente, alarga as artérias.
Acontece que aquela substância é um poderoso explosivo (já viram
no cinema a explosão provocada por uma gota que cai no
chão?).Portanto, não é um medicamento conveniente para as pessoas
carregarem.
Um fato digno de ser lembrado é a descoberta, por Alfred Nobel, da
dinamite, cujo principal componente é a nitroglicerina.Nobel ficou
tão rico com a descoberta da dinamite, patenteada em 1867, que
instituiu o famoso prêmio que leva seu nome. Em 1896, alguns meses
antes de sua morte, Nobel, que tinha angina, não aceitou tomar a
nitroglicerina, recomendada pelos médicos.
Em 1998, pouco mais de cem anos após a morte do cientista, o
prêmio Nobel foi dado a três pesquisadores que trabalharam nos
mecanismos de ação de moléculas mensageiras como o NO. Eles
explicaram como um produto químico explosivo pode também aliviar a
dor causada por uma doença cardiovascular, como a angina. Os três
pesquisadores dos EUA que receberam o prêmio Nobel foram: Robert
Furchgott, Louis Ignarro e Ferid Murad. É importante registrar que
um dos pioneiros da pesquisa com NO, Salvador Moncada, também foi
indicado para receber o Nobel. Mas, como o prêmio só pode ser dado
a três pesquisadores, no máximo, ele foi excluído. Conhecendo o
mecanismo de atuação da nitroglicerina, os cientistas passaram a
pensar em novas drogas menos perigosas para o tratamento da
angina.
Uma outra surpresa relacionada ao NO foi a descoberta de John
Craithwaite, de Liverpool (Inglaterra). Estudando o cérebro
humano, ele observou que uma molécula-mensageira, um
neurotransmissor, tinha exatamente as mesmas características do NO
produzido pelas células epiteliais. Sob estímulo, as células
nervosas do cérebro liberam, então, o NO, momentaneamente.
Acredita-se que ele seja responsável pela memória e pelo
conhecimento armazenado no cérebro humano. O esclarecimento do seu
papel no cérebro foi considerado uma das mais sensacionais
descobertas da Medicina. Não é sem razão que o NO foi considerado
a “molécula do ano”, em 1992.
O acontecimento mais instigante mesmo, relativo ao NO, foi a
descoberta do Viagra, que é o nome comercial do sildenafil citrato.
A droga, que vem sendo usada no tratamento da impotência sexual
masculina, consegue dilatar os vasos sanguíneos, o que provoca a
ereção.
Em março de 1998, a FDA (Food and Drug Administration) aprovou o
uso do Viagra para tratamento da impotência nos EUA, onde existem
mais de 30 milhões de homens com algum tipo de disfunção erétil.
Após a descoberta das excitantes funções do óxido nítrico,
inúmeros artigos surgiram na literatura científica internacional.
São muitos os sites que tratam dessa fantástica molécula.
Antonio Carlos Massabni
Instituto de Química – Araraquara - UNESP
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